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Já lá vai o tempo em que os designers viviam de caneta caligráfica e escantilhão em punho a fazer recortes de fotografias e sobreposições sobre acetatos. E também já não estamos na era em que selecionar pixel a pixel para mudar a cor ou esperar três horas para que os computadores com 260 MB de memória processem uma imagem era a norma.

Hoje, vivemos num tempo onde é cada vez mais fácil criar, e os designers conseguem resolver briefings relativamente rápido, com a ajuda de milhares de recursos disponíveis online para a criação artística, como bancos de imagens, milhões de fontes gratuitas e bases de dados comunitárias onde não só é possível encontrar templates prontos a usar como esclarecer dúvidas de todo o tipo e de qualquer grau.

Por tudo isto ser possível, vê-se também um crescimento de designers informais, que, por terem um faro apurado para tendências ou até “jeito para a coisa” utilizam ferramentas online gratuitas para criar os seus próprios conceitos ou para se apropriarem de outros tornando-os seus.

Um designer de profissão sentir-se-á frustrado argumentando que só nele existe a capacidade para acrescentar valor a título do caráter intangível da sua criatividade e atenção para as coisas que o olho não treinado não vê.

Mas o que é que acontece quando a criação, nem da interpretação humana parte?

A cada dia que passa, nascem novas ferramentas que ajudam à criação de produtos visuais que recorrem à inteligência artificial para interpretar um comando escrito e com isso surgem perigos da inteligência artificial.

Estas ferramentas e softwares vieram como que uma nuvem pairar sobre as cabeças dos designers e copywriters onde a chuva aparenta ser o desemprego iminente, pois nestes programas basta ser-se tão específico quanto a linguagem permite para que a IA, crie uma imagem tão fiel ao pedido que por vezes se torna impossível distinguir se uma imagem foi gerada artificialmente ou se tem o “toque” humano.

Para esta discussão, já não são as pessoas a fazer identidades visuais com templates no canva.com, nem uma amiga que instalou o Photoshop pirateado e que tem “imenso jeito para a coisa”, aqui trata-se de uma questão mais profunda. Trata-se da destruição dos preconceitos que todos temos em relação a uma manifestação que até agora se julgava perfeita e unicamente humana.

Historicamente, sempre se colocou o ser humano no centro das questões. Tenha sido o homem criado por interceção divina com capacidades para criar o belo e o bom ou simplesmente evoluído para ter capacidades únicas que o distinguem dos outros animais, no contexto filosófico do humanismo, a criatividade é considerada uma característica exclusiva da humanidade, uma expressão da nossa inteligência, emoções e imaginação únicas. O humanismo valoriza a individualidade e a subjetividade dos seres humanos, destacando que a criação artística é uma manifestação genuína da identidade e da capacidade do artista. Nesse sentido, a arte é vista como uma forma de comunicação e expressão pessoal, que pode transmitir sentimentos, pensamentos e ideias únicas que são inerentes à condição humana.

Ainda assim, com o crescimento exponencial da tecnologia e sistemas de compreensão digitais é impossível negar que, em certo ponto, estas certezas que durante tanto tempo serviram de pilar para a criação, não comecem a ser destronadas por dúvidas existenciais sobre os perigos da inteligência artificial

No meio disto, as máquinas criam coisas.

Há cada vez menos limites para o que é que uma inteligência artificial consegue fazer a nível da criação. O chat GPT, por exemplo, veio substituir a forma como acedemos a informação, fazemos brainstormings, como nos inspiramos e como escrevemos. Ferramentas como o DALL-E 2 e o Midjourney, possibilitam que com uma simples descrição se criem imagens tão realistas ou tão graficamente específicas quanto o utilizador queira. E para além destas, as novas ferramentas da Adobe, como o generative fill e o firefly estão a dar a possibilidade que os utilizadores removam sem esforço objetos indesejados, insiram numa composição exatamente o que lhe faltava, façam correção de cor automática, criem vetores e composições com texto num só clique e até que se componham músicas geradas no momento para acompanhar um vídeo com apenas a indicação do tom e sentimento que se deseja que a banda sonora tenha.

Imediatamente somos levados a querer, que num futuro mais próximo daquilo que gostávamos de admitir, profissões como designers, fotógrafos, coloristas, entre tantos outros deixem de existir. Este facto para muitos consiste num dos principais perigos da inteligência artificial.

Ainda assim, a doutrina parece divergir.

Inteligência Artificial

Uma determinada pessoa poderá defender que é absolutamente impossível que uma máquina produza arte, pois não possui consciência. Logo não possui o livre arbítrio e o discernimento para escolher o que é que resulta de certo comando, e isso, implica que não seja artista, mas sim executor.

Por outro lado, pode considerar-se também que uma decisão computacional numa rede neural é tão complexa e engloba tantas variáveis que não é claro que não se possa considerar um resultado do comando um objeto de arte válido.

Uma das maneiras mais comuns de uma IA ser usada para criar arte é por meio de machine learning. Esta aprendizagem é um tipo de inteligência artificial que permite que os computadores aprendam sem serem explicitamente programados, isto significa que as IAs podem aprender a criar arte simplesmente observando grandes quantidades de arte existente.

Deste modo, se considerarmos que se uma pessoa em média consegue processar 10 a 15 imagens por segundo e comparamos às centenas ou milhares de imagens que um computador consegue processar no mesmo espaço compreendido de tempo, é possível intuir que o ser humano nunca seria um rival à altura quando se trata de consumo de cultura visual.

Não nos deixemos assustar pelo que a inteligência artificial pode significar.

É importante, num mundo onde tanta coisa muda tão rápido, fazer o processo de discernimento certo em relação ao futuro daqueles que criam produtos visuais ou escritos.

Em primeiro lugar, é verdade que estas ferramentas vêm aliviar e em certos casos tornar obsoletas certas funções profissões. Mas, esta realidade não é nova. Veja-se o que aconteceu ao artesão com a revolução industrial, ou ao trabalhador de fábrica com a automatização das cadeias de produção. É inegável que certas posições deixem de existir como sempre as conhecemos, mas é também inegável que quando uma determinada tecnologia se estabelece como standard na indústria, que sejam criadas ramificações novas para lidar com as implicações técnicas destas evoluções, e isto vê-se de forma mais óbvia com a criação de novos empregos e funções para onde os trabalhadores podem transitar.

Seguidamente, é importante ter consciência daquilo que o trabalhador ainda é. Para já, podemos olhar com entusiasmo para estas novas ferramentas, sabendo que é possível integrá-las no dia a dia para otimizar o workflow de maneiras que não se julgavam possíveis antes ou até abrir portas para a criação de algo inovador.

Neste momento, uma ferramenta como o Chat GPT, pode até escrever o guião da próxima campanha do regresso às aulas ou até criar o slogan perfeito para um novo produto de mobilidade para idosos, mas fá-lo-á sempre sem consciência exata das questões e variáveis envolventes numa determinada geografia ou audiência. Acima de tudo, esta ferramenta não tem empatia pelo outro que, é tão importante para a criação ética e consciente de produtos visuais ou escritos e esse sim é um dos principais perigos da inteligência artificial.

Por fim, é normal que tenhamos coletivamente medo do que a inteligência artificial pode representar para o futuro. E para além disto, é muito importante que se discutam as implicações éticas da utilização destes modelos de IA principalmente quando se tratam de questões de direito de autor, de propriedade intelectual, de bias e a discriminação dos resultados, entre outras.

Assim como na alegoria da caverna de Platão, existe uma diferenciação entre a realidade e as sombras, podemos comparar a inteligência artificial à sombra projetada na parede. A IA pode fornecer uma representação limitada e superficial do design, assim como as sombras projetadas refletem apenas uma realidade distorcida da verdadeira forma das coisas. Então da mesma forma que os prisioneiros na caverna não podem experimentar a realidade fora dela, a inteligência artificial não possui a profundidade emocional e criativa inerente à mente humana.

Os designers, assim como aquele que sai da caverna e contempla o mundo exterior, possuem a capacidade de transcender as limitações da IA, explorando novas ideias, conceções e abordagens únicas que enriquecem a expressão artística e criam conexões emocionais profundas com o público.

É na liberdade criativa e na individualidade do designer que encontramos a verdadeira essência do design, sendo este alicerçado filosoficamente na ideia de que é sempre feito de pessoas para pessoas, permitindo-nos escapar das sombras artificiais e alcançar a autenticidade e a profundidade que só a mente humana pode oferecer.

Os designers não estão mortos, estão vivos e de boa saúde. O futuro do design é inteligente, por isso, consegue-se concluir que, para já, é mais concorrência direta a amiga que tem “jeito para a coisa”, que propriamente os perigos da inteligência artificial

Escrito por: António Maria Lopes – UX Manager